Estamos vivendo mais! Num espaço de oito décadas, ganhamos mais de 30 anos de vida. Em 1940, um brasileiro vivia, em média, 45 anos. No final do ano passado, a expectativa de vida era de 76,4 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2025, talvez, o foco não seja mais o quanto podemos viver, mas como. Um movimento em prol da prevenção, visando garantir mais qualidade aos dias, já começou. E a saúde do intestino tem tudo a ver com isso.
Dados compilados pela campanha Março Azul (www.marcoazul.org.br), edição 2025, apontam uma relação estreita entre qualidade de vida e diagnóstico precoce do câncer de intestino (ou colorretal). Diante dessa nova realidade, a partir deste ano, a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) e a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), organizadoras desse movimento pela vida, decidiram reforçar a recomendação para que os exames preventivos para a detecção precoce do câncer de intestino sejam realizados a partir dos 45 anos (antes, a idade indicada era 50).
As transformações demográficas, políticas, sociais e científicas, que abriram a possibilidade para o aumento da expectativa de vida, nos convidam a fazer algumas releituras. Uma delas é a prevenção, especialmente diante da projeção de aumento de casos de câncer de intestino, divulgada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) em 2023.
Estima-se que 45 mil brasileiros serão diagnosticados com a doença ao longo deste ano, assim como deve ter ocorrido em 2024 e 2023. Casos de câncer de intestino representam 10% do total de tumores e são o segundo tipo mais comum, tanto entre homens quanto em mulheres, atrás apenas dos cânceres de próstata e de mama feminina, respectivamente – excluindo o câncer de pele não melanoma. O câncer de intestino, também chamado de cólon, de reto ou colorretal, geralmente surge a partir de pólipos (lesões benignas) na parede interna do intestino grosso.
Outro aspecto relevante é a previsão de 10% de aumento na taxa de mortalidade prematura por câncer de intestino entre pessoas com idade entre 30 a 69 anos. Esse aumento representaria 27 mil mortes a mais. Ao analisar esses dados, não há justificativa para não adotar novos parâmetros, inclusive já preconizados por instituições de renome, como a American Cancer Society.
No Brasil, a política de rastreamento encontra-se aberta, cabendo, muitas vezes, ao paciente relatar sintomas ao médico, o que pode ser considerado um grande desafio, uma vez que o câncer de intestino costuma não apresentar sintomas na fase inicial da doença, ou seja, estamos falando de uma doença assintomática.
Esse é o ponto-chave. Estamos diante de uma doença silenciosa, que tem grande chance de cura quando diagnosticada e tratada na fase inicial, mas, em 65% dos casos, é descoberta em estágio avançado. Nesse processo, dois exames simples podem contribuir significativamente para a detecção precoce: colonoscopia e/ou exames de fezes.
Além dos exames preventivos, não podemos nos esquecer do estilo de vida, que tem impacto direto na saúde. A Organização Mundial de Saúde, inclusive, reconheceu recentemente a obesidade como um dos mais graves problemas de saúde. Para este ano, a estimativa é que 2,3 bilhões de pessoas adultas ao redor do mundo fiquem acima do peso, sendo 700 milhões com obesidade, isto é, com um índice de massa corporal (IMC) acima de 30.O cenário brasileiro não é muito diferente. Conforme o Ministério da Saúde, a obesidade aumentou 72% nos últimos treze anos, saindo de 11,8% em 2006 para 24,3% em 2023.
Os agravantes vão além da obesidade, e incluem doenças inflamatórias do próprio intestino, como retocolite ulcerativa crônica e doença de Crohn, o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, principalmente embutidos (salsicha, mortadela, linguiça, presunto, bacon, salame, entre outras), a ingestão excessiva de carne vermelha (acima de 500 gramas de carne cozida por semana), sedentarismo, tabagismo e baixo consumo de fibras. Nesse rol, tem ainda o histórico familiar.
Essas colocações não têm por objetivo causar pânico, mas, sim, fazer um importante alerta: se quisermos viver mais e melhor, precisamos mudar nosso estilo de vida e cuidar da saúde do nosso intestino. Para isso, a conscientização precisa ultrapassar as fronteiras da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) e da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), num chamado para mais saúde e mais vida, agora oficialmente a partir dos 45 anos.
Eduarda Tebet e Marcelo Averbach
Médicos da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed) e coordenadores da campanha nacional Março Azul