Colonialismo acadêmico: a Foz do Amazonas em disputa.

Por: Marco Antonio Chagas
Doutor em desenvolvimento sustentável e professor da Universidade do Amapá

O Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) lançaram a iniciativa “Foz do Amazonas: pesquisa, conservação e futuro”. O primeiro seminário da iniciativa foi realizado em maio de 2024, em Belém/MPEG, e o segundo, recentemente, em outubro, no IEA/USP, em São Paulo. Neste último, a iniciativa foi chancelada pelo Ministério do Meio Ambiente.

Um dos propósitos da iniciativa é a criação de Unidades de Conservação na Foz do Amazonas. A expansão do Sistema Nacional de Unidade de Conservação é importante para uma região de alta vulnerabilidade ambiental e estratégica para: i) a conservação e uso sustentável da biodiversidade estuarina/marinha; ii) o equilíbrio dinâmico dos ciclos biogeoquímicos e hidrológicos em larga escala e; iii) políticas favoráveis a mitigação e adaptação às mudanças do clima.

A iniciativa também visa a criação do Instituto de Pesquisa da Foz do Amazonas, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Instituto terá o objetivo de realizar pesquisas para o desenvolvimento sustentável do bioma, incluindo subsidiar a tomada de decisão sobre questões geopolíticas, hoje tratadas como campo de disputas políticas pelos Estados, o que inviabiliza qualquer perspectiva de “ordenamento e desenvolvimento regional”.

A Amazônia não está sob dependência das pesquisas não realizadas e sim de uma lógica injusta de exploração de recursos naturais capitalista, colonialista e patriarcal. Subverter este modelo é o que há de mais desafiador para a sustentabilidade da pesquisa regional. Mesmo reconhecendo o mérito da iniciativa, trago aqui alguns alertas que podem contribuir para amenizar o colonialismo acadêmico que tangencia a proposta, mesmo tendo a participação do MPEG, mas que não detém o pensamento consiliente da pesquisa na região.

O primeiro alerta à Iniciativa IEA/USP/MPEG é quanto ao reconhecimento do esforço da pesquisadora Odete Fátima Machado da Silveira, que desde o início da década de 1990 se dedicou a pesquisas interdisciplinares nas regiões costeiras do Amapá e Pará, incluindo a idealização da proposta do Instituto em questão e a criação de Unidades de Conservação no bioma da Foz do Amazonas. Por justiça, caso o Instituto seja criado, deverá ser denominado “Instituto de Estudos e Pesquisas da Foz do Amazonas Odete Silveira”.

Um segundo alerta é que já existe na Foz do Amazonas o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) e sua federalização já pautou as agendas tanto do Governo Fernando Henrique Cardoso, quanto Lula. O IEPA tem uma rica história de pesquisas sobre a biodiversidade amazônica e pode abrigar a Iniciativa IEA/USP/MPEG sem a necessidade de criar uma nova institucionalidade de pesquisa na região. O IEPA Foz do Amazonas pode ser viabilizado pela sua federalização, contratação de pesquisadores e aporte de recursos, ações estas previstas pela iniciativa em curso.

O terceiro alerta é quanto a criação desassistida de Unidades de Conservação na Amazônia. Em 2002, o MMA criou no Amapá o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), o maior do planeta em área de floresta tropical. Na época, o Governo Federal assumiu o compromisso de destinar recursos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) para a implantação do Parque e outros recursos do orçamento federal para a logística de acesso e a estruturação dos municípios do Parque. O que ficou acordado era que o Parque seria aberto ao público e o Amapá se tornaria um dos mais atraentes destinos de ecoturismo do Brasil e do mundo. O PNMT passou a maior parte de sua existência com somente um servidor, – o chefe da Unidade -, e até hoje não dispõem de um Plano de Uso Público para visitação. O Amapá é um estado-Parque e não um estado-extrativo.

Um quarto alerta é que a Iniciativa IEA/USP/MPEG já existiu. O projeto do MCT (na época) do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA), foi criado mediante o protocolo adicional ao Acordo de Cooperação Técnica e Científica celebrado entre os governos do Brasil (Lula) e da França (Sarkozy), publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 08 de janeiro de 2009. A proposta de implantação do CFBBA foi elaborada por uma rede de instituições de pesquisa da Amazônia, liderada pelo INPA, IEPA e pelo próprio MPEG. O CFBBA não saiu do papel e se tornou mais um projeto a repousar no “cemitério de boas ideias” sobre a Amazônia.

O MMA, através do IBAMA, está conduzindo o processo de licenciamento ambiental da exploração de petróleo e gás na bacia da Foz do Amazonas (Bloco FZA-M-59). Em tempos de COP 30, não é ético que a Iniciativa IEA/USP/MPEG esteja sendo pensada para viabilizar financeiramente a proposta do Instituto de Pesquisa da Foz do Amazonas e da criação de Unidades de Conservação em troca do licenciamento ambiental. Se assim for, fica aqui mais um alerta, este contrário a toda forma de colonialismo pela ciência oportunista e extrativa do conhecimento amazônico.

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