Apagão no Amapá – 04 anos: a urgência de reformas nas agências reguladoras brasileiras!

No último domingo, 3 de novembro de 2024, completou-se o aniversário de quatro anos de um trágico apagão que deixou 13 municípios do estado do Amapá sem fornecimento contínuo de energia elétrica por mais de 20 dias. Esse evento, marcado por sofrimento e prejuízos incalculáveis à população, permanece como um triste episódio na memória coletiva do Amapá.

Embora quatro anos tenham se passado, observa-se uma ausência de punições severas e eficazes para os responsáveis, seja a concessionária de transmissão de energia da época, seja a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responsável pela fiscalização.

Além disso, os danos causados às pessoas que faliram durante esse fatídico período sem energia ainda não foram ressarcidos, evidenciando uma enorme morosidade da justiça.

Ainda em 2020, em 29 de fevereiro, outro evento trágico — desta vez no setor de transporte fluvial — onde 42 pessoas morreram no naufrágio do navio Anna Karoline III. Após investigações, constatou-se também a falta de fiscalização pela Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (ANTAQ), evidenciando mais uma vez o descaso, pois tanto a ANEEL quanto a ANTAQ não possuem escritórios de fiscalização no Amapá.

A imprensa nacional tem, por vezes, criticado a atuação da ANEEL, apontando falhas no fornecimento de energia, como evidenciado em críticas à distribuidora de energia de São Paulo. Em 18 de outubro de 2024, o jornal digital ICL News publicou uma matéria contundente em que uma de suas jornalistas afirmou: “o modelo das agências reguladoras no Brasil não deu certo; as agências viraram extensão dos interesses das empresas”. A jornalista foi categórica ao denunciar que a ANEEL teria sido capturada pelo lobby empresarial.

Esse fenômeno de “captura regulatória” — em que interesses privados ou políticos influenciam as decisões das agências em benefício próprio, comprometendo a imparcialidade e a qualidade técnica — é discutido pelo economista Riley Rodrigues de Oliveira do Portal Consultor Jurídico, que destaca suas duas vertentes principais: a captura econômica, em que as empresas manipulam as agências para atender a seus próprios interesses, e a captura política, resultante da influência de grupos partidários que nomeiam dirigentes conforme conveniências. O caso da ANEEL ilustra essa situação, uma vez que sua diretoria foi integralmente nomeada pelo então Presidente Jair Bolsonaro.

A dissertação de Marina de Siqueira Campos Rebouças, intitulada “As Agências Reguladoras e o Risco da Captura: os desafios para uma maior autonomia do sistema regulatório brasileiro”, explora a captura regulatória e descreve como as agências, criadas para supervisionar setores econômicos, tornam-se vulneráveis a influências políticas e de mercado.

A autora também esboça um histórico do Estado Regulador no Brasil, ressaltando que, apesar das reformas dos anos 1990, que buscaram maior equilíbrio e eficiência no controle econômico, as agências enfrentam constante pressão de interesses específicos.

Comparando com o modelo norte-americano, que serviu de inspiração para as agências brasileiras, a autora propõe adaptações para fortalecer a autonomia e a transparência regulatória no Brasil. Como soluções, sugere mecanismos de prestação de contas e maior participação social para mitigar interferências e assegurar que as agências cumpram seu papel de maneira independente.

Vale observar a convergência do pensamento científico da Mestra Marina Rebouças sobre transparência com reflexões presentes no texto “Apagões de energia elétrica: lições para uma regulação comprometida com a qualidade de serviço à sociedade!”, publicado em 20 de outubro no site www.conectamapa.com.

As críticas à atuação das agências reguladoras no Brasil, porém, vão além da ANEEL ou ANTAQ. Diversas outras autarquias especiais, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), também enfrentam questionamentos recorrentes. As queixas variam desde a permissão para reajustes abusivos em planos de saúde até aprovações de medicamentos polêmicos e falhas na fiscalização de combustíveis nos postos de distribuição, saneamento e outros.

O modelo de agências reguladoras no Brasil foi adotado nos anos 90 com o objetivo de proteger consumidores em setores monopolistas, como energia e telecomunicações. No entanto, práticas como a “porta giratória”, em que executivos transitam entre agências reguladoras e o setor regulado, acabam comprometendo a independência das agências, gerando potenciais conflitos de interesse.

Nesse contexto, a realidade revela que as agências brasileiras, em muitos casos, falham em equilibrar os interesses entre consumidores e grandes empresas. Embora o atual governo, mesmo não tendo controle gerencial sobre as agências, defenda uma regulação mais eficaz, uma parcela significativa da mídia comercial, que possui contratos publicitários com empresas de setores regulados, frequentemente minimiza a captura econômica das agências, criticando ações governamentais que busquem cobrar maior eficácia dessas entidades.

Então, há uma necessidade urgente de um amplo debate nacional visando mudanças legislativas, com a participação de consumidores, entidades de classe, universidades e outros setores da sociedade civil organizada.

Contribuições como a proposta de participação social nas políticas regulatórias defendida pela professora Natasha Schmitt Caccia Salinas (FGV-RJ) são de fundamental importância para garantir, caso implementadas, decisões representativas e justas.

Nesse sentido, Natasha Salinas destaca que a Lei Geral das Agências (LGA) prevê consulta pública apenas nas fases finais do processo regulatório, limitando a participação social. Isso reduz sua eficácia, pois o ideal seria envolver a sociedade nas etapas iniciais, influenciando a formação da agenda regulatória de maneira mais inclusiva e transparente.

Outro ponto de destaque, é debate que ocorre entre funcionários de carreira de algumas agências, que defendem a necessidade de que um terço dos cargos de direção seja ocupado por servidores efetivos, selecionados por meio de uma lista tríplice após eleição direta. Isso reforçaria a autonomia do Diretor eleito, minimizando a possibilidade de captura político partidária ou econômica.

Portanto, é essencial que se reconduza as agências à autonomia real e não apenas formal. Medidas como estruturas funcionais adequadas, autonomia financeira e critérios rigorosos para a nomeação de dirigentes são fundamentais. Ademais, ampliar os mecanismos de participação social nas fases iniciais do processo regulatório contribuiria bastante para uma maior transparência e inclusão. Porém, há um longo e complexo caminho a percorrer, pois, uma das estratégias seria a mudança na legislação e requer intensa mobilização social no Congresso Nacional.

Dessa forma, apenas o envolvimento da sociedade conduzindo um amplo debate propositivo de mudanças na legislação das agências junto ao Congresso Nacional, poderia atender as expectativas de recolocá-las na posição de atuar com competência, independência e em benefício do interesse público, prevenindo a captura regulatória e garantindo maior eficiência e eficácia nos serviços essenciais que regulam.

Jucicleber Castro

Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação Industrial (Prominas) e Gestão de Telecomunicações (FGV), Mestrando Concluinte em Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da extinta Distribuidora de Energia Estatal do Amapá (2011-2014)

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